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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

apátridas, ou “lamento para coro e piano a quatro mãos”

“Mas há períodos em que o escravo livre não tem estatuto social, ele está fora de tudo. Deve ter sido assim para a geração dos negros na América com a abolição da escravidão. Quando houve a abolição ou então na Rússia, não tinham previsto um estatuto social para eles e foram excluídos. Interpretam erroneamente como se eles quisessem voltar a ser escravos! Eles não tinham estatuto. É neste momento que nasce o grande lamento. Mas não é pela dor, é uma espécie de canto e é por isso que é uma fonte poética. Se eu não fosse filósofo e fosse mulher, eu gostaria de ter sido uma carpideira. A carpideira é uma maravilha porque o lamento cresce. É toda uma arte! Além do mais, tem um lado pérfido: não se queixe por mim, não me toque. É um pouco como as pessoas demasiadamente polidas. Pessoas querendo ser cada vez mais polidas. Não me toque! Há uma espécie de... A queixa é a mesma coisa: "não tenha pena de mim, disso cuido eu". Mas ao cuidar disso, a queixa se transforma. E voltamos à questão de algo ser grande demais para mim. A queixa é isto. Eu bem que gostaria de todas as manhãs sentir que o que vivo é grande demais para mim porque seria a alegria em seu estado mais puro. Mas deve-se ter a prudência de não exibi-la, pois há quem não goste de ver pessoas alegres. Deve-se escondê-la em um tipo de lamento. Mas este lamento não é só a alegria, também é uma inquietude louca. Efetuar uma potência, sim, mas a que preço? Será que posso morrer? Assim que se efetua uma potência, coisas simples como um pintor que aborda uma cor, surge esse temor. Ao pé da letra, afinal, acho que não estou fazendo Literatura quando digo que a forma como Van Gogh entrou na cor está mais ligada à sua loucura do que fazem supor as interpretações psicanalíticas, e que são as relações com a cor que também interferem. Alguma coisa pode se perder, é grande demais. Aí está o lamento: é grande demais para mim. Na felicidade ou na desgraça... Em geral, na desgraça. Mas isso é detalhe.” - Deleuze e Parnett, “O abecedário de Deleuze: joie [alegria]

 

“isso é grande demais, meu deus. é grande demais. me ultrapassa, é muito.” (os astutos ouvem uma reclamação, mas os sãos compreendem: essa alegria é grande demais, meu deus.)

“dói, porque é grande demais. ai, meu deus!” (aqui riem-se os maliciosos. os castos, no entanto, compreendem: a liberdade é grande demais para ser hasteada em praça pública. e sabem que há um preço a se pagar por ela, mas não podem prevê-lo. por isso, é preciso disfarçar a liberdade em dor, como fernando pessoa dizia sobre o poeta: fingindo ser dor a dor que deveras.

sem revelar a causa da dor. principalmente porque isso não importa mais. a liberdade é grande demais para que eu, apátrida, me lembre de minhas origens.)

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Recital “Música dos séculos XX e XXI para piano e canto”

Piano: Thiago Cazarim
Soprano: Patrícia Mello

Local: Teatro da EMAC/UFG - Campus II (Samambaia)
Horário: 09:20h - 10:10h

Goiânia – GO.

 

Notas de programa

 

Nacional “vs.” internacional na música brasileira

Camargo Guarnieri (1907 – 1993): Ponteios 2 e 49

O Ponteio 2 (Raivoso e ritmado) constitui-se da apresentação de uma insistente célula rítmico-melódica tocada inicialmente pela mão esquerda do pianista, à qual se soma imediatamente a melodia principal, que, sendo ao mesmo tempo cantante e áspera, lembra um ponteado de viola caipira e a sonoridade marcante de suas cordas de aço. Já no Ponteio 49 (Torturado), homenagem ao compositor russo Alexander Skriabin (1872 – 1915), Guarnieri insere o ouvinte no ambiente dos recitais de virtuoses ao explorar elementos típicos do pianismo europeu novecentista, sobretudo a grande gama de intensidades (do muito suave a um triplo forte) e o uso de toda a extensão do teclado, elementos estes que distinguem tanto o uso do piano no século XVIII (mais contido e controlado) quanto nos séculos XX e XXI (muitas vezes mais percussivo ou timbrístico que “cantado”).

Atmosferas

Claude Debussy (1862 – 1918): Trois Chansons de Bilitis (“la chevelure” e “le tombeau des Naïades”)

Pierre Boulez (n. 1925): Douze notations pour piano (1. Fantasque – Modéré; 2. Très vif; 5. Doux et improvisé; 4. Rythmique; 9. Lointain – Calme ; 10. Mécanique et très sec)

Escritas a partir dos poemas de Pierre Louÿs, as canções que constituem o ciclo de Debussy são um tributo ao modo de vida pagão e à sensualidade hedonista que, segundo o compositor, teria caracterizado a vida na Grécia antiga. Tanto em “la chevelure”, cuja ideia poética gira em torno de um sonho erótico (“esta noite sonhei [...] eu tinha teus cabelos ao redor de minha nuca e sobre meu peito, tal como um colar negro”), quanto em “le tombeau des Naïades”, em que o eu-lírico é levado progressivamente a descobrir o túmulo das ninfas dos mananciais (“os sátiros estão mortos [...] e as ninfas também”; “há trinta anos não há um inverno tão terrível”, “com o ferro de sua enxada, cavou o gelo onde outrora riam as Náiades”), Debussy estabelece a transição dos planos dramáticos do texto pelo recurso à um tratamento “colorístico” das harmonias do piano, que, entre outras coisas, tem por objetivo recriar musicalmente a atmosfera sugestiva dos poemas de Louÿs.

Já o ciclo dodecafônico de Boulez compõe-se de “acontecimentos” musicais breves e contrastantes, que criam doze pequenas atmosferas sugeridas por seus respectivos subtítulos. Grosso modo, podemos dizer que os contrastes e as diferenças, mais do que uma suposta organicidade formal ou identidades estruturais, é que garantem a unidade desta composição.

 

A-tonalidade: as novas consonâncias

Estércio Marquez Cunha (n. 1941): Cantiga silenciosa

Edson Zampronha (n. 1963): Nessun maggior dolore

A Cantiga silenciosa estrutura-se a partir de blocos sonoros rarefeitos e delicados do piano que se opõem e entrecruzam com a linha vocal, colaborando para a ambientação do poema utilizado por Estércio. Podemos dizer sem medo que se trata de uma composição “a-tonal” num sentido próximo ao do compositor Koellreutter: a dualidade tonal/não-tonal é superada em favor de uma concepção timbrística, integradora das dissonâncias e consonâncias no mesmo tecido sonoro.

De modo semelhante, Edson Zampronha explora o uso de diferentes blocos sonoros e motivos estáveis – eis um possível sinônimo da concepção expandida de consonância destes compositores – para estabelecer a tensão dramática do trecho da Divina comédia em que Dante escuta o lamento das almas de Francesca da Rimini e Paolo Malatesta no purgatório. Segundo o próprio Zampronha explica, “Paolo era irmão de Gianciotto, e Gianciotto era casado com Francesca. Francesca e Paolo se apaixonaram. Certo dia, [enquanto liam sobre o amor proibido entre sir Lancelot e Guinevere – esposa do rei Arthur] foram surpreendidos por Gianciotto, que os matou”. Vê-se um espelhamento fundamental perpassar a obra de Dante em direção à de Zampronha: o triângulo da lenda britânica se repete na narrativa de Dante, e também nas três formas de execução do conjunto piano/voz: solo (instrumento ou canto), recitativo (canto quase falado acompanhado pelo piano) e Lied, ou seja, canção no sentido mais usual do termo.

 

Pós[?]-modernidade: reciclagem e ironia

András Derecskei (n. 1982): Étude nº 2

Raúl Peña (n. 1985): Nociones

As três seções do Étude nº 2 caracterizam-se pela tentativa de recuperar a unidade formal e estrutural possibilitadas pelo tonalismo sem recair nos clichês tradicionais. Raúl Peña, ao contrário, faz um uso muito particular do dodecafonismo e do tonalismo em Nociones, organizada como uma sequência de episódios que, mesmo baseados na mesma série dodecafônica (à exceção do final da música, onde se ouve uma clara e irônica alusão aos Noturnos de Chopin), não aparecem como que derivados de uma célula-fundamental. Vê-se, assim, a mesma tentativa de apropriação criativa da História da Música desembocar em soluções composicionais radicalmente distintas: irônica, em Peña, e reapropriadora, em Deresckei.

terça-feira, 19 de abril de 2011

ipsis literis

considerar o som como uma perturbação do ar e do tempo, como a força de desestabilização ordenadora do espaço. pensar a música como o devir-animal, devir-vegetal, devir-inumano, devir-humano. o som – por extensão, a música – é uma perturbação física.

terça-feira, 1 de março de 2011

sobre gesualdo e foucault

é-me impossível não ser acometido, acossado, assombrado, embasbacado, atravessado, suplantado de mim mesmo, descentrado, deslocado, tresloucado, esmagado, diluído, esparramado, dispersado etc. é necessário pensar, como talvez o careca o tenha feito, a literatura (e por que não juntar a ela a música) como instrumento de poder? é, talvez não se possa escapar disso. mas isso é a única forma de ação de literatura, das artes?

sei que, depois de pensar no comentário do roberto machado sobre a relação de foucault com a literatura na virada de sua arqueologia do saber para a genealogia do poder, não é possível ser inocente. mas também não é possível ser comunista com a arte. a solução provisória que antevejo, pelo menos parte de seu começo, seria pensar em alguma forma de abertura que não a da interioridade. pensar a abertura do exterior, no exterior. abertura do aberto. uma tautologia que dá chance ao maravilhamento, ao deslocamento do sujeito. não é necessário, pois, o recurso ao mundo interior e à objetividade. é, ao contrário, pensando em que dimensão de materialidade, em que superfície, é possível situar o maravilhamento. pelo discurso, foucault chega ao poder. seria, então, esse o lugar em que deveríamos nos situar? ou, se quisermos evitar algum possível (mas não-comprovado nem talvez comprovável) “perigo” (palavra perigosa, aliás) de uma análise que situasse a literatura numa geneolgia do poder, se quisermos outro lugar para a discussão, onde poderíamos dizer que esse maravilhamento deveria estar localizado, em algum outro tipo de prática? mas é possível uma prática que não seja, em algum nível, discursiva? isso só seria possível se esquecêssemos a formação de objetos de saber e poder. eles existem?

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

sobre deleuze e beethoven

certa rudeza, certo descabimento, ou anticlassicismo, ou antiformalismo, ou anti-ipsismo, ou o que o valha.

mas há o arrebatamento do “j” em o abecedário, na Sonate für das Hammerkalvier e nos quartetos do final da vida.

há essa incompatibilidade entre eles e mim. e a alegria (trágica) pelo excesso, pelo transbordamento do umbigo, pelo que é indiferente à minha singularidade, que a transpassa, que dá lhe qualquer fulguração. ou seja, que literalmente transversa-lhe.