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segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Recital “Música dos séculos XX e XXI para piano e canto”

Piano: Thiago Cazarim
Soprano: Patrícia Mello

Local: Teatro da EMAC/UFG - Campus II (Samambaia)
Horário: 09:20h - 10:10h

Goiânia – GO.

 

Notas de programa

 

Nacional “vs.” internacional na música brasileira

Camargo Guarnieri (1907 – 1993): Ponteios 2 e 49

O Ponteio 2 (Raivoso e ritmado) constitui-se da apresentação de uma insistente célula rítmico-melódica tocada inicialmente pela mão esquerda do pianista, à qual se soma imediatamente a melodia principal, que, sendo ao mesmo tempo cantante e áspera, lembra um ponteado de viola caipira e a sonoridade marcante de suas cordas de aço. Já no Ponteio 49 (Torturado), homenagem ao compositor russo Alexander Skriabin (1872 – 1915), Guarnieri insere o ouvinte no ambiente dos recitais de virtuoses ao explorar elementos típicos do pianismo europeu novecentista, sobretudo a grande gama de intensidades (do muito suave a um triplo forte) e o uso de toda a extensão do teclado, elementos estes que distinguem tanto o uso do piano no século XVIII (mais contido e controlado) quanto nos séculos XX e XXI (muitas vezes mais percussivo ou timbrístico que “cantado”).

Atmosferas

Claude Debussy (1862 – 1918): Trois Chansons de Bilitis (“la chevelure” e “le tombeau des Naïades”)

Pierre Boulez (n. 1925): Douze notations pour piano (1. Fantasque – Modéré; 2. Très vif; 5. Doux et improvisé; 4. Rythmique; 9. Lointain – Calme ; 10. Mécanique et très sec)

Escritas a partir dos poemas de Pierre Louÿs, as canções que constituem o ciclo de Debussy são um tributo ao modo de vida pagão e à sensualidade hedonista que, segundo o compositor, teria caracterizado a vida na Grécia antiga. Tanto em “la chevelure”, cuja ideia poética gira em torno de um sonho erótico (“esta noite sonhei [...] eu tinha teus cabelos ao redor de minha nuca e sobre meu peito, tal como um colar negro”), quanto em “le tombeau des Naïades”, em que o eu-lírico é levado progressivamente a descobrir o túmulo das ninfas dos mananciais (“os sátiros estão mortos [...] e as ninfas também”; “há trinta anos não há um inverno tão terrível”, “com o ferro de sua enxada, cavou o gelo onde outrora riam as Náiades”), Debussy estabelece a transição dos planos dramáticos do texto pelo recurso à um tratamento “colorístico” das harmonias do piano, que, entre outras coisas, tem por objetivo recriar musicalmente a atmosfera sugestiva dos poemas de Louÿs.

Já o ciclo dodecafônico de Boulez compõe-se de “acontecimentos” musicais breves e contrastantes, que criam doze pequenas atmosferas sugeridas por seus respectivos subtítulos. Grosso modo, podemos dizer que os contrastes e as diferenças, mais do que uma suposta organicidade formal ou identidades estruturais, é que garantem a unidade desta composição.

 

A-tonalidade: as novas consonâncias

Estércio Marquez Cunha (n. 1941): Cantiga silenciosa

Edson Zampronha (n. 1963): Nessun maggior dolore

A Cantiga silenciosa estrutura-se a partir de blocos sonoros rarefeitos e delicados do piano que se opõem e entrecruzam com a linha vocal, colaborando para a ambientação do poema utilizado por Estércio. Podemos dizer sem medo que se trata de uma composição “a-tonal” num sentido próximo ao do compositor Koellreutter: a dualidade tonal/não-tonal é superada em favor de uma concepção timbrística, integradora das dissonâncias e consonâncias no mesmo tecido sonoro.

De modo semelhante, Edson Zampronha explora o uso de diferentes blocos sonoros e motivos estáveis – eis um possível sinônimo da concepção expandida de consonância destes compositores – para estabelecer a tensão dramática do trecho da Divina comédia em que Dante escuta o lamento das almas de Francesca da Rimini e Paolo Malatesta no purgatório. Segundo o próprio Zampronha explica, “Paolo era irmão de Gianciotto, e Gianciotto era casado com Francesca. Francesca e Paolo se apaixonaram. Certo dia, [enquanto liam sobre o amor proibido entre sir Lancelot e Guinevere – esposa do rei Arthur] foram surpreendidos por Gianciotto, que os matou”. Vê-se um espelhamento fundamental perpassar a obra de Dante em direção à de Zampronha: o triângulo da lenda britânica se repete na narrativa de Dante, e também nas três formas de execução do conjunto piano/voz: solo (instrumento ou canto), recitativo (canto quase falado acompanhado pelo piano) e Lied, ou seja, canção no sentido mais usual do termo.

 

Pós[?]-modernidade: reciclagem e ironia

András Derecskei (n. 1982): Étude nº 2

Raúl Peña (n. 1985): Nociones

As três seções do Étude nº 2 caracterizam-se pela tentativa de recuperar a unidade formal e estrutural possibilitadas pelo tonalismo sem recair nos clichês tradicionais. Raúl Peña, ao contrário, faz um uso muito particular do dodecafonismo e do tonalismo em Nociones, organizada como uma sequência de episódios que, mesmo baseados na mesma série dodecafônica (à exceção do final da música, onde se ouve uma clara e irônica alusão aos Noturnos de Chopin), não aparecem como que derivados de uma célula-fundamental. Vê-se, assim, a mesma tentativa de apropriação criativa da História da Música desembocar em soluções composicionais radicalmente distintas: irônica, em Peña, e reapropriadora, em Deresckei.

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